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Dependências tecnológicas, Transtorno do Espectro Autista e outros desafios para socialização

As tecnologias digitais tornaram-se parte indispensável do cotidiano e, ao mesmo tempo em que oferecem múltiplas oportunidades de entretenimento, aprendizado e interação, levantam preocupações sobre o uso problemático ou mesmo dependência. Em manuais internacionais, como o DSM-5 ou o CID-11, já se discutem critérios para o chamado “gaming disorder”, caracterizado pela perda de controle sobre os jogos, persistência no comportamento apesar de prejuízos claros e dificuldade de interromper a atividade. Nesse cenário, pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm chamado atenção devido às suas características particulares, como interesses restritos e grande afinidade por ambientes estruturados, o que pode favorecer tanto o uso bem direcionado das tecnologias como o risco de exageros. 


Dependência Tecnológica e Espectro Autista

O TEA envolve dificuldades na comunicação social, modos de pensar e comportamentos repetitivos, além de interesses muito focados em alguns temas. Em vários casos, jogos eletrônicos, aplicativos ou demais plataformas de internet podem ser atrativos justamente por permitirem rotinas previsíveis, regras claras e uma forma de interação que independe das complexidades da interação face a face. Para muitos indivíduos com TEA, esse envolvimento traz benefícios cognitivos ou até mesmo sociais, caso participem de grupos específicos e encontrem pares com interesses semelhantes. No entanto, quando o uso de jogos ou redes sociais passa a ser excessivo, podem surgir sinais preocupantes, como diminuição acentuada do convívio familiar, queda no desempenho escolar ou irritabilidade ao tentar reduzir o tempo de conexão.

 

Embora nem todas as pessoas que jogam muitas horas ou que fiquem bastante tempo on-line desenvolvam dependência, há casos em que a necessidade de estar conectado se sobrepõe a outras áreas da vida. Em indivíduos com TEA, a delimitação entre “uso intenso” e “uso problemático” pode ser especialmente difícil. Há relatos de jovens que utilizam os videogames como rota de fuga do estresse ou da ansiedade, reforçando um ciclo de alívio imediato e maior retraimento em atividades sociais presenciais. Também existem situações em que as redes sociais se tornam o principal espaço de interação, mas, por outro lado, minam oportunidades de praticar e exercitar habilidades de relacionamento no mundo real.

 

A realidade é que pais e cuidadores com frequência enfrentam dilemas sobre quando impor limites, temendo provocar crises ou reações negativas, mas também percebendo que a falta de supervisão pode resultar em isolamento ainda maior, problemas no sono ou exposição a conteúdos inapropriados. Isso torna fundamental a conscientização sobre sinais de alerta, sobretudo para que se possa intervir precocemente. Veja alguns pontos essenciais que podem indicar quando o uso da tecnologia deixa de ser apenas um hobby ou fonte de aprendizado para se tornar um problema:

 

·       Diminuição acentuada de outras atividades rotineiras, como estudo, lazer off-line ou convivência familiar.

·       Irritabilidade e alterações de humor ao interromper o acesso aos dispositivos.

·       Falta de interesse em eventos ou compromissos presenciais que antes despertavam atenção.

·       Preferência marcante pelos contatos virtuais, com esquiva ou ansiedade excessiva diante de situações sociais fora da internet.

·       Persistência no uso mesmo após prejuízos claros, como notas escolares baixas ou reclamações constantes no ambiente familiar.

 

A despeito de todos esses desafios, é inegável o valor que a tecnologia possui para o desenvolvimento de muitas pessoas com TEA. Softwares educativos, plataformas de comunicação alternativa, jogos voltados à aprendizagem de regras sociais e até grupos de discussão sobre temas de interesse podem promover ganhos importantes. O essencial é encontrar um equilíbrio saudável, o que pode envolver criar horários definidos de acesso aos dispositivos, alternar atividades on-line com outras experiências presenciais e buscar suporte profissional quando houver dúvidas sobre possíveis sinais de dependência. Profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais e psiquiatras podem ajudar a adaptar estratégias de controle de tempo e a definir limites de forma que respeite as características sensoriais e emocionais de cada pessoa.

 

Ao pensar em dependências tecnológicas, é preciso ressaltar que o risco não está na tecnologia em si, mas no modo como ela é usada. Fatores internos, como busca de alívio para ansiedade, e externos, como a ausência de mediação familiar, contribuem para o agravamento do quadro. Por isso, quanto mais cedo forem percebidas mudanças significativas de comportamento e queda na qualidade de vida, mais efetivas podem ser as intervenções. Nesse sentido, a parceria entre familiares, educadores e profissionais de saúde é decisiva para garantir que as oportunidades digitais sejam aproveitadas de forma segura. Embora o autismo possa trazer vulnerabilidades para o uso excessivo de tecnologias, ele também pode ser a porta de entrada para aprendizados valiosos e conquistas sociais, desde que haja um monitoramento consciente e estratégias de apoio bem estruturadas.

 

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