O cuidado com o parceiro é algo natural e esperado em um relacionamento amoroso saudável, mas este comportamento deve ocorrer de maneira que não comprometa o desenvolvimento e a realização pessoal dos envolvidos (1,2). Em uma relação saudável, as atividades e os interesses individuais que existiam antes do estabelecimento do relacionamento – como atenção aos filhos, cuidados pessoais, amizades, desenvolvimento profissional e relacionamento com a família – são mantidos (1).
No caso do Amor Patológico (AP), as queixas frequentemente envolvem a incapacidade de manter a atenção e concentração no trabalho e demais atividades, o abandono dos cuidados com os filhos e o afastamento do convívio com familiares e amigos, em função de uma preocupação excessiva e descontrolada com o parceiro. Apesar de essas situações causarem sofrimento e arrependimento, os indivíduos não conseguem modificar sua maneira de se relacionar ou romper o relacionamento. Tentativas de rompimento costumam gerar grande angústia, sensação de vazio, medo do abandono e tristeza, levando o portador de Amor Patológico a retomar o relacionamento.
Platão, em O Banquete, escreveu um dos primeiros grandes tratados sobre o amor (3). Nesse diálogo, um dos participantes, Aristófanes, relata que, em tempos remotos, os seres humanos eram dotados de duas cabeças, quatro braços, quatro pernas e uma genitália. Esses seres, chamados de andróginos, se sentiam muito poderosos e ameaçavam invadir o Olimpo, a morada dos deuses. Zeus, enfurecido, ordenou que Apolo cortasse esses seres ao meio, transformando-os em seres com uma cabeça, dois braços, duas pernas e uma única genitália na parte traseira. Essas metades perderam a vontade de viver e passaram a vagar em busca de sua outra metade. Quando a encontravam, abraçavam-se e permaneciam assim até a morte. A espécie começou a desaparecer e, preocupado, Zeus ordenou a Apolo que reposicionasse as genitálias para a frente, possibilitando que as metades se unissem sexualmente e se reproduzissem.
Dessa narrativa mitológica originou-se um dos conceitos mais relevantes para a psicopatologia do amor: o “amor complementar”, em que cada metade busca sua outra parte na tentativa de se sentir completa, como se procurasse sua “alma gêmea” ou “metade da laranja”. Ama-se o que não se tem, e a responsabilidade pela própria felicidade é atribuída ao outro, ainda que esse outro seja imperfeito.
Nesse contexto, Platão propôs um significado central e complexo para o amor. Seguindo esse raciocínio, é possível entender que a busca constante por um amor pode ser motivada pelo desejo de encontrar algo que nunca se obterá completamente. Em seu tratado, Platão diferenciou o Amor Saudável ou Autêntico, que liberta o indivíduo do sofrimento e se satisfaz pela contemplação, buscando o belo, o verdadeiro e o absoluto, do Amor Possessivo ou Patológico, que devora e tenta possuir o outro (3).
Amor Patológico
Estudos recentes indicam que a maneira possessiva de amar pode ser chamda de Amor Patológico (AP) e caracteriza-se pelo comportamento excessivo e descontrolado de cuidar dos interesses do parceiro (1,2). A intenção é obter o controle sobre o parceiro, sem respeitar as necessidades deste, e os problemas surgem quando não se recebe a atenção desejada. Em muitos casos, a pessoa que sofre de AP tem consciência do comportamento exagerado, mas é incapaz de contê-lo.
Essa necessidade de controle e atenção excessivos aprisiona tanto o portador de AP quanto o parceiro. Apesar da persistência no relacionamento, essas pessoas demonstram insatisfação constante. Dessa forma, o Amor Patológico causa sofrimento para ambos os envolvidos, o que os leva a buscar ajuda psiquiátrica e psicológica, pois prejudica a vida pessoal, social, profissional e a qualidade de vida.
A pessoa experimenta sintomas de abstinência quando está afastada da pessoa amada, gasta muito tempo e energia com cuidados e abandona outras atividades para cultivar esse amor. Os critérios a serem avaliados para identificar se uma pessoa sofre de AP são (1,2):
Sinais e sintomas de abstinência: quando o parceiro está distante, seja fisicamente ou emocionalmente, ou diante da ameaça de abandono ou rompimento da relação, podem ocorrer insônia, taquicardia, tensão muscular, além de alternância entre letargia e intensa atividade.
Cuidado excessivo com o parceiro: a pessoa geralmente se queixa de demonstrar atenção ao parceiro com maior frequência ou por períodos mais longos do que gostaria.
Tentativas frustradas de reduzir o comportamento patológico: já ocorreram tentativas malsucedidas de diminuir ou interromper a atenção direcionada ao parceiro.
Excesso de controle sobre as atividades do parceiro: grande parte do tempo e da energia da pessoa é dedicada a pensamentos e atitudes que visam manter o parceiro sob controle.
Abandono de interesses e atividades antes valorizadas: o indivíduo passa a viver em função dos interesses do parceiro, abandonando atividades que promoviam realização pessoal e desenvolvimento profissional, como cuidar dos filhos, investir na carreira e conviver com amigos.
Persistência do comportamento patológico, apesar dos prejuízos: mesmo consciente dos danos à qualidade de vida, a pessoa que sofre de AP não consegue controlar sua conduta patológica.
Para aqueles que se identificaram com os sintomas do Amor Patológico, buscar o acompanhamento de um psicólogo é essencial para compreender as causas subjacentes do comportamento impulsivo e aprender a desenvolver relações mais saudáveis.
Referências
Vieira, M. L., & Oliveira, A. G. (2020). Amor patológico e dependência emocional: uma revisão crítica. Revista de Psicologia Contemporânea, 15(3), 45-57.
Silva, R. F., & Martins, C. F. (2019). O impacto do amor patológico no bem-estar: uma revisão de estudos. Cadernos de Psicopatologia, 21(2), 123-134.
Platão. (2007). O Banquete. Tradução de Maria Lúcia C. Borges. São Paulo: Editora X.
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